REFLEXÃO DE RAMOS




A celebração de Domingo de Ramos é a abertura para a Grande Semana, ou seja, a Semana Santa. Ela funciona, em linhas gerais, como um trailer de um grande filme. Nesta celebração, fazemos memória de tudo o que vamos viver na Semana Santa. Neste trailer o mais importante é a narrativa da tragédia de Jesus. A Tragédia é um gênero teatral já usado pelos gregos antigos e faz parte da cultura humana. O Evangelho da Paixão se encaixa perfeitamente neste estilo. O Heroi Jesus irá ser morto por força do destino dos deuses e sua morte será revertida em momento de catarse e vida nova para todos.

Contudo, a tragédia da Paixão de Cristo não pode ser lida superficialmente. Ela deve ser tomada a partir de três pontos substanciais: o teológico, o antropológico e o político. A teologia da Paixão tem, pelo menos duas grandes sacadas ou intuições: a revelação do Deus de Jesus e a boa nova. O Relato da Paixão, costumeiramente é lido como um show de horrores. Um espetáculo que Mel Gibson soube muito explorar em seu filme “A Paixão de Cristo”. Neste, o sangue, a violência, a dor e a culpa são expostos como o dado teológico mais importante. Quem assiste a esse filme tem a impressão que 

Deus tem sangue nos lábios e só se sacia quando a ultima gota de sangue de Jesus for derramado.
Por outro lado, o Relato da Paixão, ainda que violento, não deve ter esse tom de cinza. Ele é, na verdade, o modo como a experiência do Deus de Jesus pode ser experimentada. E qual é essa experiência? A encarnação! Jesus é o Deus que não brinca de ser homem. Ele não está fazendo uma experiência trevosa, ele está aprendendo a ser homem. Isso soa absurdo aos ouvidos desacostumados, mas a única experiência que Deus precisava fazer é a experiência da humanidade. O Deus de Jesus se encarna e quer experimentar o que é ser humano. Mas muito mais que isso: quer experimentar a morte. Como Deus poderia redimir o gênero humano se ele não experimentasse o amargo gosto da morte? Como diziam os grandes Padres Capadócios (São Gregório de Nissa e Naziano): “o que não foi assumido, não é redimido”.

O Deus de Jesus é um Deus poderosamente fraco, como já diz o telogo Etienne Babut, e por isso, incomodou tanto a Nietzsche. Nós queremos um Deus quebra-galho e não o Deus que ao gritar “afasta-se de mim este cálice”, nada ocorreu. O Relato da Paixão mostra o verdadeiro Deus de Jesus, o Deus conosco, até na morte! O segundo ponto importante da teologia é a boa nova: a ressurreição, mas este ponto será comentado em liturgia própria.

Há um outro ponto que a liturgia de hoje nos apresenta: o dado antropológico. Jesus quis experimentar tudo o que homem passou. Quis assumir nossa natureza para que ficasse claro a experiência humana. Este é talvez um dos maiores ensinamentos antropológicos que temos: o quanto estou disposto a ser o outro para compreendê-lo? O quanto estou disposto a viver e a experimentar o que o outro experimenta para que minhas ações, juízos e preconceitos sejam amoldados por esta experiência. Cristo, sendo Deus, se negou para poder não nos julgar. Nós, ao contrário, sendo homens, negamos nossa humanidade, e queremos ser Deus para julgar aos outros. A Paixão é uma experiência de amor, é uma entrega. Todos nós faremos nossa paixão. Todos nós teremos a oportunidade de poder experimentar o Cristo passou. A pergunta é: estou disposto a comungar deste cálice? Estou disposto a passar por aquilo que Cristo passou?

Passar por que Cristo passou não é ser masoquista ou ser fatalista. Cristo não foi fatalista, mas ele não negou sua responsabilidade diante de seus atos e quis viver autenticamente sua fé de judeu. Para passar o que Cristo passou devemos fazer primeiro a experiência do outro. Como quero seguir a Jesus se não consigo nem me colocar no lugar de alguém que me é tão próximo? Como poder viver a paixão se a cruz nos é ainda escândalo?

E por fim, o dado político da paixão. Jesus não veio para morrer. Jesus foi assassinado por uma trama política muito bem feita que queria barrar seu projeto. Hoje proclamamos Jesus Hosana, Filho de Davi, Hosana Rei. Mas que rei é Jesus? Que Reinado Jesus pregou? Quais são seus critérios? Não se pode proclamar Jesus Rei, se minha prática de interação e influência sobre as pessoas continuam sendo práticas de morte. O que tenho feito para influenciar positivamente as pessoas? E como Jesus reina na minha vida? São perguntas que se não fizerem sentido no plano social, se não nos levarem a questionar nossas práticas, nosso modo de agir e nossas escolhas ideológicas, virarão meros teatros.

Novamente terminamos no teatro. A Tragédia da liturgia de hoje não deve ser uma mera figuração. A tragédia é a nossa vida se bem compreendida, no sentido que todos nós vivemos sob tensões que requerem de nós seremos verdadeiros artistas no palco da vida. Que Deus nos ajude assumir nossos papeis e que as peças que encenamos seja para o bem e para construção do Reino de Deus!

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AGUARDEM!!!!

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